"Onde a dor dói depende de onde a dor foi, por onde a dor vem e prá onde a dor vai.
Porque a mesma dor está indefinidamente de passagem por lugares diferentes.
Há dores que os doutores sabem explicar perfeitamente, mas não conseguem retirar a dor da parte doente.
É o luxo de uma falação.
Uma luxação, ou apenas uma teoria do que a dor doeria, já que uma dor referida em geral não dói mais.
Assim, em tese, também não dói menos, por não resistir a qualquer referência, considerando que qualquer dor é uma insistência de se imolar, rebolar, revirar, mas persistir em alguma coisa.
Há casos de dores que nos acomentem em membros ausentes e por pessoas distantes que nem se amolam de se lembrar da gente! Mas as dores incomodam sem parar quando se pára pra pensar em seu movimento renitente.
Você pode nem se lembrar que dói, até que sente a dor vibrar internamente.
Pode ser num dente cariado que quer mastigar o alimento, no estômago enjoado que não consegue digerir um condimento ou na mente perturbada que não consegue decifrar um pensamento que teima em latejar os seus tormentos, pode ser uma dor no corno de quem procura sarna pra se coçar, o gozo manhoso do masoquista que gosta de apanhar, o caroço caloso de um tumor no osso, um quisto sebáceo no pescoço chupado, um braço fraturado ou uma dor no braço destroncado, como um Cristo viciado que tivesse carregado uma cruz de pecados e não pudesse despejar os próprios cacos no regaço de um buraco.
É bom dar atenção ao fato de que a dor é um aviso.
A sinalização de um prejuízo que ainda vai acontecer.
É uma dor de matar, mas que não chega a morrer, porque o objetivo dessa dor não é se curar, mas permanecer para irritar, complicar, interferir e destruir.
É uma dor de cabeça que eu vou te contar.
Um boneco de arame que se amassa. Um vexame que se passa. Uma bosta já basta.
É uma miragem que se atravessa.
Uma tatuagem que se aplica na testa.
Há uma dor generalizada, criada pelo deprimido pra se aprofundar em nada. Uma dor de marmelada, mas que pode doer tanto quanto uma facada no peito.
Todos temos um coração a zelar, zerar ou gelar, conforme queiram uns e outros que preferem esquecer para não sofrer.
A memória é fraca para suportar o peso de tanto desamor.
É uma doeção feia que bate no ponto nevrálgico de um cartão de compromissos mixos, salários baixos e um profissionalismo ridículo, conformando um estado de nervos com as contas a pagar e as migalhas a receber.
Há muita dor em sobreviver nessa situação. A condição de quem já lutou pelo ócio, resta apenas implorar pela droga do vício do trabalho.
"Quem paga o pato não o saboreia", diz a velha sabedoria.
A dor, em si é antiga e sentida por todos os antepassados que herdaram problemas hereditários, mas continua moderna essa dor de preocupação constante e chata, que insiste sem parar até encontrar a localização exata da casca pra cutucar e doer a sua natureza.
É uma dor localizada com certeza, mas que, no instante em que se toca com a mão, a irritação da esfregação das asperezas se espelha, se duplica e se espalha pela espinha, por condutas infinitas, terminações nodosas e combinações torturantes.
Não tem começo a mecha que detona a bomba desse processo.
É o susto de uma explosão súbita, como a tensão incendiária de uma dúvida, uma pergunta que não cabe na conjuntura, mas que dura uma eternidade. No entanto, nós insistimos nas apostas. A que será que se destina? Ficar. Fincar. Espremer. Roer até doer... E assim, esperando essa dor passar, se aprende a deixar a dor doer...
Grande Fernando Bonassi!